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"...Os órgãos públicos
estão aplicando penalidades administrativas, sobretudo a multa, sem a ampla
defesa..."
Doorgal G. Borges de
Andrada
O Código de Trânsito
Brasileiro (Lei n. 9.503/97), no seu Capítulo XVIII, quando trata do
"Processo Administrativo" (art. 280 2 e 3) permitiu que o auto de
infração de trânsito pudesse ser lavrado não somente pela autoridade mas
também pelo seu agente (servidor civil, estatutário ou celetista, e militar),
utilizando-se da ajuda de aparelho eletrônico (ex: radar) ou qualquer outro
meio tecnológico disponível para comprovar a infração cometida pelo
motorista.
Quanto ao "Processo
Administrativo" punitivo (é básico ao estudo jurídico) ele percorre
obrigatoriamente as seguintes fases: "instauração (através da portaria
ou auto de infração), instrução (para elucidar os fatos), defesa (ampla, com
possibilidade de contestação e provas), relatório e julgamento final
(prolatado pela autoridade competente)". Reforçando esta lição, a atual
constituição de 1988, no seu artigo 5, LV, garante a ampla defesa e o
contraditório em qualquer processo administrativo.
No entanto, ao que parece,
os órgãos públicos estão aplicando penalidades administrativas aos
motoristas infratores, sobretudo a multa, sem a ampla defesa e contraditório.
Ou seja, o poder público está punindo administrativamente, com multa, suspensão
da carteira de habilitação, pontuação na carteira etc... sem oportunidade de
defesa ao autuado.
Mas a penalidade da infração
de trânsito, assim como qualquer decisão administrativa punitiva, sobretudo
porque condena um cidadão, para não cair na arbitrariedade, terá legalidade
somente se observar aquelas garantias constitucionais.
O direito brasileiro, com o
advento da Constituição de 1988 não admite a existência de processo
administrativo sem a oportunidade de defesa. Do contrário, tal punição,
juridicamente, torna-se nula, porque inconstitucional.
Não bastasse a alegação
de que muitas dessas penalidades soam como legalmente nulas, (porque ferem o
"devido processo legal"), mais grave é qualificá-los de inexistentes
juridicamente, por falta de participação da autoridade competente.
Ora, o CTB diz que o agente
da autoridade de trânsito poderá lavrar o auto de infração valendo-se do uso
de equipamentos eletrônicos. Porém, somente a própria autoridade de trânsito
(ex: Delegado de Trânsito, Diretor da Polícia Rodoviária Federal, Chefe do
Detran, Prefeito Municipal, Secretário Municipal de Trânsito, etc...) é quem
"julgará consistente o auto de infração e aplicará a penalidade cabível
(art. 281 do CTB)". Ou seja, o agente lavrando um auto de infração
provoca o início do processo administrativo. Mas este processo terá que ser
presidido e julgado pela autoridade de trânsito. Legalmente, nem o agente, nem
os equipamentos eletrônicos podem efetuar julgamentos ou aplicar penalidades.
Elas terão valor jurídico apenas se emanadas da autoridade competente (art. 5,
LIII, CF).
Sabe-se porém que ao invés
de primeiramente notificarem os infratores da lavratura do auto de infração,
abrindo-se prazo para defesa, o poder público está comunicando de imediato a
penalidade aplicada ao motorista. Muitos deles estão recebendo pelo correio uma
simples comunicação da condenação, e nela sequer consta o nome ou assinatura
da autoridade que teria julgado a infração, nem os fundamentos obrigatórios
da decisão, sequer o número do processo administrativo ou oportunidade de
defesa. Depois de condenado, ele recebe prazo para recorrer à Jari, cujo
recurso, contrariando a regra geral, não tem o benefício do efeito suspensivo
(art. 285, 1, do CTB), exceto para a pena da multa.
Todos desejamos que os
infratores sejam exemplarmente punidos com rigor. Isto fatalmente ocorrerá ao
final de cada processo, sobretudo quando contar com a prova técnica detectada
pelo radar. Porém, o que não podemos assistir é o poder público afastar-se
do cumprimento do CTB e da Constituição Federal, como fazem os maus
motoristas.
Infelizmente, no que tange
as punições às infrações de trânsito parece que estamos assistindo a práticas
administrativas absolutistas e condenações sumárias. Esta condenação sem
defesa, que entendemos ser ilegal (inexistente ou nula), é pouco democrática e
não promove a cidadania.
O artigo de autoria do Dr.
"Doorgal G. Borges de Andrada, Juiz de Direito em Uberlândia - MG",
publicado no Jornal "Estado de Minas" - MG, do dia 09.02.2001, resume
o entendimento perfeito sobre a aplicação correta das normas de trânsito, no
que se refere ao amplo direito de defesa preconizado no Código de Trânsito
Brasileiro - CTB e na Constituição Brasileira.
Um dos temas constantes do
Código que tem recebido maior destaque é o rigor das penalidades, não só
pelo valor das multas, mas também pelas conseqüências da pontuação que pode
culminar com a suspensão do direito de dirigir.
De outro lado, na mesma
proporção que existe a rigorosidade da lei, deve haver a garantia da ampla
defesa do cidadão, sendo a "Defesa Previa" um dos instrumentos de
fundamental importância para a justa aplicação da lei.
A "Defesa Prévia",
instituída na vigência do Código anterior pela Resolução n.º 568/80, do
CONTRAN, consiste no direito de o cidadão contestar, seja por irregularidades
formais, ou de mérito, a consistência da autuação lavrada pela autoridade de
trânsito ou seus agentes, antes da aplicação da penalidade, ou seja, a
"Defesa Prévia" situa-se após a autuação e antes da aplicação da
penalidade, cuja competência é privativa da autoridade de trânsito a qual
deve ser dirigida a petição (dirigente do DETRAN, do órgão de trânsito
municipal, DER, DPRF, etc).
Alguns dirigentes de órgãos
de trânsito têm entendido que a "Defesa Prévia" teria sido extinta
por não estar explícita no CTB, mas ela continua a vigorar, uma vez que a
Resolução nº 568/80, do CONTRAN, por não conflitar com o novo Código,
permanece vigente nos termos do art. 314, parágrafo único, do CTB. Além
disso, o art. 281 do referido Código estabelece que a autoridade de trânsito
"julgará" a consistência do auto de infração. A "Defesa Prévia"
está no cerne do verbo "julgará".
Para alguém
"julgar" é fundamental que seja oportunizado o contraditório entre
as partes envolvidas. Se o agente autua, tem o acusado o direito de contestar a
autuação para que o "julgamento" sobre a consistência do ato do
agente seja pleno, tanto sob o ponto de vista técnico, legal e de mérito.
Somente após o julgamento é que poderá ser aplicada a penalidade, cabendo aí,
sim, "o recurso" à JARI, ao CETRAN ou ao CONTRAN, conforme o caso,
obedecidos os prazos legais. Somente após esgotados os recursos é que a pontuação
deverá ser atribuída ao verdadeiro infrator (art. 281 a 290 do CTB).
Luiz Gonzaga Quixadá
Consultor Técnico Jurídico
da ABDETRAN,
Autor do livro: Aplicação
do Código de Trânsito Brasileiro (2000)